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Um novo transtorno alimentar?

Transtorno Alimentar Restritivo/Evitativo (TARE), um novo diagnóstico em psiquiatria?

Você talvez tenha ouvido falar da publicação do DSM-V, a nova edição do manual diagnóstico da Associação Psiquiátrica Americana.
Considerado por muitos a referência absoluta em psiquiatria, o guia não deixou de receber críticas do ponto de vista científico, por ampliar demasiadamente o número de diagnósticos psiquiátricos.
As críticas apontam que, ao acrescentar novas categorias diagnósticas, o manual poderia estar “criando” novas doenças ou “patologizando” vivências cotidianas, medicalizando situações corriqueiras e levando, consequentemente, ao consumo desnecessário de medicações psiquiátricas.

Um dos novos diagnósticos acrescentados, dentro do capítulo de transtornos alimentares é o TARE – Transtorno Alimentar Restritivo Evitativo ou ARFID (do inglês) – Avoidant/Restrictive Food Intake Disorder.

  1. De acordo com o DSM-V, esse transtorno refere-se a:
    Uma perturbação na alimentação ou na forma de comer (como: uma aparente falta de interesse em comer, evitação de acordo com determinadas características sensoriais dos alimentos, preocupação com consequencias aversivas de comer).
  2. Uma incapacidade persistente em atender às necessidades nutricionais e/ou energéticas do organismo.

Está associado a:

  • perda significativa de peso (ou incapacidade em atingir ganho de peso esperado ou falha do crescimento em crianças)
  • deficiência nutricional significativa
  • dependência ao uso de suplementos alimentares ou nutrição enteral
  •   interferência significativa no funcionamento psicossocial

Apesar das críticas a alguns novos diagnósticos do DSM V, o TARE parece apresentar aspectos clínicos bastante relevantes e significativos.

É comum, de fato, na prática clínica, encontrar pessoas com dificuldades com algum aspecto da alimentação, falta de interesse na nutrição, alimentação e incapacidade de manter ou ganhar peso.

O TARE descreve indivíduos cujos sintomas não correspondem aos transtornos alimentares tradicionais, mas que apresentam dificuldades importantes com a comida ou com a alimentação.

As pessoas diagnosticadas com TARE não apresentam alterações na forma como o corpo é percebido ou distorção da imagem corporal, como é frequente encontrar na anorexia nervosa.
Tampouco apresentam fobia de engordar como na anorexia e frequentemente reconhecem a própria magreza como inadequada.
Porém, podem apresentar complicações físicas decorrentes da desnutrição da mesma maneira como na Anorexia Nervosa.

O TARE substitui e amplia o diagnóstico anterior de Transtorno da Alimentação da Primeira Infância que consta na edição anterior do DSM, o DSM-IV.

O diagnóstico de transtornos alimentares, sobretudo na infância e adolescência não é tarefa fácil; anteriormente ao DSM-V, pacientes com transtornos alimentares eram frequentemente diagnosticados com TANE (Transtorno Alimentar não Especificado).
Com efeito, estudos mostram que até 50% dos pacientes com alguma problemática alimentar eram diagnosticados com TANE, sendo essa uma categoria diagnóstica muito abrangente, com sobreposição de sintomas e que traz poucas informações sobre determinada condição.

Sendo assim, muitos pacientes com TARE eram rotineiramente diagnosticados com TANE (Transtorno Alimentar não Especificado).
E um dos objetivos do DSM-V foi justamente otimizar a utilidade clínica das categorias diagnósticas, sobretudo no que se refere aos transtornos alimentares.
Portanto, o reconhecimento do TARE permite um estudo mais aprofundando das características clínicas e tratamento desta condição.

E desta maneira, já temos alguns resultados. Foi recentemente publicado um estudo realizado no Canadá:  Nicely TA et al. Prevalence and characteristics of avoidant/restrictive food intake disorder in a cohort of young patients in day treatment for eating disorders. Journal of Eating Disorders. 2:21, Aug 2014.

Este estudo mostra, por exemplo, que pacientes com TARE representam até 22,5% de todos os pacientes com transtornos alimentares que frequentam uma unidade de tratamento especializada. Eles também são mais novos dentre aqueles que possuem transtornos alimentares e tem maior porcentagem de indivíduos do sexo masculino, chegando até 20,5%, enquanto nos outros transtornos alimentares neste estudo a prevalência de homens foi de 4,5% (classicamente a prevalência de homens com anorexia nervosa se situa entre 10 a 15% dos casos).

Pacientes com TARE também apresentaram maior dependência de suplementos nutricionais para manutenção de peso, bem como medo de engasgar, vomitar e dificuldades com aspectos sensoriais dos alimentos como textura e coloração.

Outro dado importante é que pacientes com TARE, apesar de não apresentarem distorção na imagem corporal ou alteração na forma como é vivenciada o seu corpo, apresentam preocupações relacionadas ao medo de doenças que estariam associadas a obesidade. Por exemplo, ter medo de ser obeso pelo risco que poderia apresentar para doenças cardiovasculares.  Esse tipo de preocupação poderia estar relacionada a alguma experiência de doença na família.

Além dos aspectos epidemiológicos e clínicos, o que é muito importante nesse estudo é prover suporte ao TARE como uma entidade diagnóstica independente.

Apesar de não existir até o momento, protocolo de tratamento específico para o TARE, sabemos que esta condição exige um padrão de cuidados complexo e intensivo, respeitando as características individuais de cada paciente, nos moldes do que é aplicado aos transtornos alimentares de maneira geral.

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